sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Desabafo de um funcinario: * Sandro Tessman é funcionário da Corsan — Companhia Riograndense de Saneamento.






As comunidades pobres, o saneamento básico e a tarifa da água para além da tarifa social
Por Sandro Tessman
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publicado no sul21 em 05/08/2011 07:57


O regulamento de serviços de água e esgoto diz que imóveis com até 60 metros quadrados de área e cinco pontos de água serão considerados uma residência de baixa renda e teriam direito à tarifa social. O que o governo Rigotto fez? Questionou o conceito de baixa renda e passou a considerar de baixa renda as pessoas incluidas em programas sociais de âmbito municipal, estadual e federal. Ou seja, eles se referiam basicamente às pessoas incluidas em programas do Bolsa Família. Ora, o programa bolsa família só contempla as pessoas com filhos de determinada idade e matriculados em escolas. Parece que o valor máximo chega 220 reais. Pois bem, as centenas de pessoas que assisti, que não deixaram de ser baixa renda, perderam sua tarifa social. Pessoas com casas feitas com tábuas podres, catadoras de lixo, gente com a medida da casa inferior a 30 metros de área, tiveram mudada sua categoria residencia pra RB (residência básica) onde o valor do metro cúbico é igual a uma casa na avenida principal da cidade, com 450 metros de área construida e três carros na garagem. O quesito da dimensão do imóvel e renda é discutível. Por exemplo: ao lado do meu condomínio tem um outro condomínio — a maioria dos apartamentos tem dimensões que são inferiores ao limite de 60 metros quadrados de área construida, no entanto 90% dos usuários têm carro. Nesses casos não caberia receberem tarifa social, acredito.

Mas o mais grave é ter sido retirada a tarifa social da parcela haitiana do povo deste estado. Não sou médico sanitarista, não sou infectologista, não sou pediatra, não sou nutricionista, nem psicólogo ou psiquiatra. Apenas fiz alguns semestres de ciências sociais e, por muitos motivos ligados a estas outras áreas do conhecimento humano, não pude dar continuidade ao curso e tenho passado os últimos 8 anos trabalhando na Corsan, cavando buracos, fazendo consertos e leitura de hidrômetros, entregando faturas aos usuários do sistema de água da Corsan. Por que citei essas especialidades?? Quando criança morei em vilas na minha cidade e brincava muito em valos de esgoto a céu aberto, depois desenvolvi uma doença, a febre reumática, tive de fazer um tratamento muito doloroso com 13 anos de idade, todos os dias faziam uma aplicação de penicilina, substância extremamente dolorosa ao ser injetada, por um longo período. Só aos trinta anos de idade descobri que essa doença estava ligada à falta de sanemento básico.

Recentemente li um artigo que diz que um bebê recem nascido tem em seu cérebro o principal consumidor de energia, representando mais de 80% da energia gasta pelo corpo. Ao ir aumentando seu tempo de vida o cérebro vai diminuindo a porcentagem de consumo de energia em relação ao resto do corpo. Pois bem, uma criança que sofre diarréia perde muita energia e se tem crises seguidas de diarréia terá comprometida sua capacidade de aprendizado e sua inteligência pra toda a vida adulta, já que seu cerébro terá sofrido um desabastecimento de energia nessa fase tão importante. Ora, e o que a água tratada tem haver com isso?? Bom, não preciso dizer né!!??

O governo Tarso tem que dar esse passo à frente do trabalhismo e instituir como regramento a acesso a 10 metros cúbicos de água pra essa parcela haitiana. Pelo cálculo elaborado pela ONU, é o quanto uma família de quatro pessoas necessita pra viver em um mês. E, somente cobrar a partir do décimo primeiro metro o valor correspondente à tarifa social.

Viajei pelo estado à serviço da Corsan fazendo a tarefa de pesquisa de vazamento, mas sempre com um olhar sociológico. Você encontra de tudo. Por exemplo, em Palmitinho, há um grupo de índígenas, não sei exatamente de qual etnia, vivendo em condições degradantes dentro da cidade e a Corsan mostra-se incapaz de fazer uma ligação de água pra eles, ou uma bica pública, no mínimo. Ou em Seberi, onde algumas famílias de negros não tinham abastecimento de água por alguns anos porque não tinham dinheiro para pagar uma ligação que se faz na rede de distribuição exposta aos olhos, distante uns 30 metros da residência deles.

Existe o núcleo de saneamento do PT. Participei de uma única reunião, não tive a oportunidade de expor essa idéia, e por não ter dinheiro pra pagar o transporte até o local das reuniões não tenho participado. Temo que essa idéia não seja pelo menos cogitada, existem muitas coisas que envolvem as relações de poder, vaidades, preconceitos em relação a um trabalhador que cava buracos, mesmo dentro do PT.

Redigi esse texto baseado numa realidade vivida e vista por mim nos 8 anos dentro da Corsan. Evidentemente muita coisa não está nele, como por exemplo o ano que trabalhei numa estação de tratamento de esgoto, totalmente isolado por me posicionar e orientar os usuários da Corsan da periferia a procurarem a promotoria de justiça na fase de recastramento e retirada da tarifa social delas. E havia também o assédio moral sofrido esses anos todos por ter estabelecido relações com a comunidade pobre que cercava a estação de tratamento “lugar de bandidos e vagabundos".
http://sul21.com.br/jornal/2011/08/as-comunidades-pobres-o-saneamento-basico-e-a-tarifa-da-agua/

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