quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

PMs aumentam pressão por piso nacional e podem fazer “apagão da segurança”


Felipe Prestes
Sul21

As greves e manifestações de policiais militares, que têm voltado os olhos do Brasil para a Bahia, estão se espalhando pelo país. Em 2012, já houve greve também no Ceará, e PMs de Distrito Federal, Espírito Santo e Rio de Janeiro já acenam com paralisação. As greves de policiais têm suas reivindicações particulares em cada estado, mas o mesmo pano de fundo: a demora na votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 300, que tramita no Congresso desde 2008, e fixa um piso nacional de R$ 3,5 mil para os policiais e bombeiros militares.

Mesmo que tenham suas negociações com os governos estaduais, os profissionais da segurança pública veem na aprovação da PEC uma solução mais palpável para os baixos salários. A intensificação das greves e ações nos estados também visa pressionar o Congresso no início deste ano legislativo. Uma negativa dos parlamentares pode gerar paralisações generalizadas pelo país.

No Rio Grande do Sul, o presidente da Abamf, associação que representa os cabos e soldados, Leonel Lucas, afirma que as duras negociações travadas com o Governo Tarso em 2011 visavam não a PEC 300, mas o cumprimento de uma promessa de campanha do governador, de pagar um piso de R$ 3,2 mil até 2014. Ainda assim, Lucas não deixa de acreditar que a PEC é uma solução para a questão salarial. “Se a PEC 300 tivesse sido aprovada com certeza nada disto (os protestos) estaria acontecendo. (Os governantes) deveriam ter pensado nisto antes”, diz.
Junto com representantes de pelo menos outras 17 associações, Leonel Lucas vai a
Brasília na semana que vem para pressionar o presidente da Câmara dos Deputados,

Marco Maia (PT-RS), a colocar a PEC na pauta de votações. A proposta já foi aprovada em primeiro turno, por 394 votos a zero, em julho de 2010. Ainda naquele ano, segundo o deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), proponente da PEC, governadores dos cinco estados mais populosos do país (RS, SP, RJ, BA e MG) conseguiram travar a votação em segundo turno, que encontra-se suspensa desde então.

Durante o ano de 2011, diversos sinais vindos do Planalto deram conta da contrariedade da presidenta Dilma Rousseff com a aprovação da PEC 300, porque o Governo Federal precisaria ajudar os estados que não tiverem condições de implantar o piso. Comenta-se na capital federal que, além da necessidade de conter gastos devido à crise internacional, a presidenta teme que a aprovação da proposta incentive também militares das Forças Armadas a buscar melhor remuneração.

“A gente sabe que a Dilma e todos os governadores são contra. Só queremos que eles nos digam isto claramente, porque aí pensaremos alternativas”, afirma Leonel Lucas. Segundo o presidente da Abamf, estas alternativas estão sendo estudadas e se fala até em um grande “apagão nacional da segurança pública”.

Arnaldo Faria: "Por trás da empresa privada sempre tem um delegado ou um coronel"

Empresas privadas agem pela desqualificação das polícias, aponta deputado
O deputado Arnaldo Faria de Sá acredita que as greves não são uma articulação nacional pela aprovação da PEC, mas greves localizadas, por demandas localizadas.

Ainda assim, afirma que o motivo das paralisações são os baixos salários e que, no final das contas, os conflitos locais poderiam ser sanados em todo o país pela aprovação da proposta. “Todo esse movimento é por causa dos salários que são muito baixos. A média nacional é de R$ 2 mil, e em estados como RJ e RS os salários ainda mais baixos”, diz. “Sergipe paga piso de R$ 3,4 mil e não tem estes problemas. E é um estado muito menos poderoso economicamente”, completa.

O petebista defende que os custos da PEC 300 para os estados e para o Governo Federal seriam “factíveis”, e ressalta que o ambiente de insatisfação dos policiais pode sair muito mais caro. “A Bahia tem grande arrecadação com o turismo nesta época do ano e perdeu tudo”, diz.

Arnaldo Faria de Sá afirma ainda que há uma “ação deliberada” visando a falta de qualidade das polícias, para vender segurança privada. “Por trás da empresa privada sempre tem um delegado ou um coronel. E eles querem que o soldado precise fazer bico”, diz.

"Policiais de Brasília recebem um bom salário e não quer dizer que sejam melhores que os de outros estados"


Rolim: piso é essencial, mas não resolve qualidade da segurança pública
“Esta reunião com Marco Maia era para ter saído no ano passado. Espero que possamos encontrar um caminho para aprovar esta PEC, que seria a solução para a nossa segurança pública”, afirma o deputado Arnaldo Faria de Sá. O especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública, Marcos Rolim, discorda que o piso nacional fosse solucionar a qualidade dos serviços de segurança pública, embora o considere essencial. “Policiais de Brasília recebem um bom salário (cerca de R$ 4 mil) e não quer dizer que sejam melhores que os de outros estados. Esta PEC não vai resolver a segurança pública. Continua sendo a mesma polícia”, afirma.

Rolim acredita que para ter maior eficiência as polícias precisariam passar por amplas reestruturações, como, por exemplo, se tornarem polícias de ciclo completo. Hoje, as polícias civil e militar dividem as atribuições: uma investiga e outra faz policiamento ostensivo. Para Rolim, as instituições precisariam realizar todo o ciclo, desde o patrulhamento até a investigação. E esta é apenas uma das reformas necessárias, segundo ele.

Apesar disto, o especialista em Segurança Pública acredita que o piso é de suma importância. Ele conta que a demanda já era latente entre os profissionais desde 2000, quando participou como parlamentar da Caravana Nacional de Direitos Humanos sobre as polícias brasileiras, que ouviu policiais de todo o país. “Eles levantaram o tema de um piso nacional e a gente formalizou a ideia. Eles têm toda a razão. Naquela época, havia salários menores que o mínimo em alguns estados. Se o serviço é essencial, o salário tem que ser essencial. O piso nacional é uma iniciativa muito importante, é fundamental para o trabalho policial”, diz.

Rolim afirma que a aprovação da PEC 300 poderia dar um efeito a médio prazo na qualidade das polícias, na medida em que o salário mais alto atraísse para as seleções profissionais com maior qualificação. “Um salário atrativo pode produzir novidades a médio prazo. Isso pode atrair um pessoal mais qualificado para as próximas seleções. Pagando bem na entrada, a repercussão disto se dá em dez anos.

Hoje em dia, quem ingressa na polícia muitas vezes é alguém que procurou a PM porque não conseguiu oportunidade em outros lugares”.
Manifestações de PMs refletem falta de democracia nas corporações, diz Rolim

Marcos Rolim afirma que as manifestações violentas que se vê em protestos de policiais militares pelo país refletem a falta de um ambiente democrático nas corporações. Por serem militares, os PMs não têm direito legal a greve e a sindicalização. Isto já coloca movimentos reivindicatórios na ilegalidade, embora associações tenham desempenhado o papel de sindicato e feito negociações com os governos. “Uma categoria com milhares de trabalhadores pelo país não têm direito à expressão pública. Este entulho autoritário, que nega cidadania aos policiais, empurra suas manifestações para a ilegalidade”, afirma Rolim.
Para ele isto se reflete, por exemplo, nas manifestações de policiais que se dão paralelamente a negociações pacíficas entre estas associações e os governos. “Não há uma estrutura de representação estabelecida. É cada um por si e Deus por todos. As associações não são sindicatos”, diz o especialista em Segurança Pública.

O ambiente de alta subordinação, no qual os profissionais são muitas vezes submetidos a humilhações por seus superiores e em que nada é resolvido na base da conversa também influenciam no comportamento de militares grevistas. “Como os policiais militares não têm direito a um espaço democrático, eles também não têm experiência de luta política. Quando estes movimentos eclodem, eles eclodem com posturas ilegais: escondem o rosto, tomam atitudes autoritárias, arbitrárias. Esta é a linguagem que eles entendem, a linguagem da força. Eles não têm formação democrática. São humilhados, são agredidos, tratados com desrespeito e quando se manifestam publicamente o fazem também de forma desrespeitosa”, diz, ressaltando que as reivindicações dos policiais baianos são justas.

Rolim também afirma que uma das coisas que precisa ser reestruturada nas polícias é a falta de uma carreira única. “Só no Brasil temos várias portas de entrada para a polícia. É uma porta de entrada para soldado, outra para policial. Uma para delegado, outra para escrivão. Não há uma carreira policial. Com ela, o profissional começaria sempre nos postos mais baixos e chegaria a postos altos se merecesse”, afirma Rolim. Atualmente, há um abismo entre as carreiras mais altas e mais baixas das polícias. “Em cada polícia existe a polícia de baixo e a polícia de cima. Há remunerações diferenciadas, prestígios diferenciados, poderes diferenciados. A diferença salarial é imensa e cada vez se torna maior”.

Lucas: "99,9% dos PMs estão fazendo greve por seus direitos"

O presidente da Abamf, Leonel Lucas, é um defensor dos protestos pacíficos e vê com “preocupação” o que ocorre na Bahia. O policial defende que os grevistas não usem viaturas e armas em manifestações. “Estou de acordo com quem faz manifestações pacíficas. Sem desordem, sem atacar o comércio. Viaturas e armas não são nossas, são instrumentos de trabalho. Enquanto não estamos trabalhando, não devemos usá-las”, diz.

Lucas, entretanto, discorda das posições de Rolim. Ele acredita que o comportamento inadequado em greves não é uma prerrogativa comum a grande parte dos policiais, mas apenas a uma ínfima minoria de colegas. “99,9 % dos PMs estão fazendo greve por seus direitos”, diz. Ele discorda também que as associações não tenham a mesma capacidade que os sindicatos para aglutinar as demandas dos policiais. “Temos entidades bem organizadas. Até mesmo as centrais sindicais têm disputas”, compara.

O presidente da Abamf afirma ainda que o comportamento da maior parte dos policiais não é diferente do da maioria dos cidadãos quando estão indignados e, portanto, não acredita que o autoritarismo nas corporações influencie nas greves de PMs. “Não acredito nisto, não. Como qualquer cidadão o policial militar tem seu momento de indignação. É um sentimento que não é só do policial militar”, diz.

http://sul21.com.br/jornal/2012/02/pms-intensificam-pressao-por-piso-nacional-e-podem-fazer-%e2%80%9capagao-da-seguranca%e2%80%9d/

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