OPINIÃO, O Estado de S.Paulo - 08/02/2011
Se fosse para aprovar uma única medida de reforma política - na impossibilidade de fazer o serviço completo de uma vez -, ela deveria ser o fim das coligações nas eleições proporcionais, ou seja, para os Legislativos federal, estaduais e municipais. Além de ser um contrassenso dentro da própria lógica do sistema eleitoral - coligações apenas fazem sentido para disputas de cargos executivos e de cadeiras no Senado, em que os mais votados levam tudo -, o esquema é a causa primeira da proliferação de legendas nanicas, cujos donos trocam com as legendas maiores tempo de TV, no horário eleitoral, por vagas na chapa comum.
É também responsável por algo ainda pior: o efeito perverso de distorcer a vontade do eleitor, portanto, reduzindo a representatividade das Casas Legislativas constituídas a cada ciclo eletivo. Isso porque, no que os cientistas políticos denominam evasão de votos, o incauto cidadão crava o nome do candidato A do partido X para deputado ou vereador e acaba elegendo, contra sua vontade, o candidato B do partido Y coligado àquele.
Naturalmente, como tudo mais nas regras da competição política, o arranjo sobrevive porque convém aos competidores. Todo o resto sendo igual, as chances de um interessado em "servir ao povo" são maiores à sombra de uma coligação do que em raia partidária exclusiva. Mas numa situação pelo menos, a aberração joga os políticos uns contra os outros e ajuda a promover a polêmica intervenção do Judiciário na esfera político-parlamentar.
É o que acontece quando um parlamentar deixa a sua cadeira para ocupar um posto no governo ou quando se elege, digamos, prefeito. Quem deve preencher a vaga aberta? O primeiro suplente que pertença ao mesmo partido ou o primeiro da lista da coligação, qualquer que seja a sigla a que pertença? A tendência histórica da Câmara dos Deputados é empossar quem encabeça a fila e ponto. O Supremo Tribunal Federal (STF) se inclina pela outra alternativa, partindo da premissa - afirmada na sua decisão obrigando à fidelidade partidária, salvo em circunstâncias estritamente definidas - de que os mandatos não pertencem aos mandatários, mas às legendas às quais se filiaram e pelas quais se elegeram.
Não se trata de uma divagação acadêmica. Segundo um levantamento deste jornal, publicado ontem, 20 das 513 cadeiras da Câmara poderão mudar de mãos, afetando a composição das bancadas de 13 Estados conforme o critério adotado para preenchê-las. O Supremo Tribunal se manifestou a respeito pela primeira vez, em caráter liminar, ou seja, sem julgamento do mérito da questão, em dezembro último. Numa decisão tomada por 5 votos a 3, a Corte acolheu recurso impetrado por um suplente do PMDB de Roraima para substituir um companheiro de sigla que renunciara ao cargo.
Dias atrás, a ministra Carmem Lúcia determinou que um suplente do PPS mineiro e outro do PSB fluminense substituam os titulares licenciados das respectivas agremiações - embora a Mesa da Câmara tenha dado posse, no caso de Minas, a um suplente do PR e, no caso do Rio de Janeiro, a um do PMN. A Câmara resolveu analisar cada caso separadamente e só cumprir as liminares depois de um aparentemente supérfluo processo interno.
A visão que prevaleceu no Supremo em dezembro parece coerente, mas não consegue resolver um paradoxo inerente ao sistema de coligações proporcionais. Nos dois casos citados, os suplentes beneficiados tiveram menos votos do que os primeiros da fila de espera. Isso acentua, aos olhos do público, as distorções da já relativa representatividade das Câmaras Legislativas.
No Distrito Federal, por exemplo, Augusto Carvalho, primeiro suplente, inscrito pelo PPS, da coligação que elegeu governador Agnelo Queiroz, teve 18.893 votos. Mas, pelo entendimento do STF, quem deve substituir o deputado distrital Geraldo Magela, do PT, convidado por Queiroz para um posto na sua equipe, é o suplente petista que recebeu 2.199 votos - 8,5 vezes menos.
É nisso que dá a perpetuação de uma norma eleitoral que, além dos seus malefícios, não presta para nada.
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